Variação estilística e identidade: a concordância de número e o retroflexo
na fala goiana

Nome: ELAINE CRISTINA BORGES DE SOUZA

Data de publicação: 09/05/2023

Banca:

Nomeordem decrescente Papel
MARIA MARTA PEREIRA SCHERRE Orientador

Resumo: O objetivo desta tese é mostrar a existência de traços identitários do falar goiano, por
meio dos fenômenos da concordância nominal de número e do /R/ retroflexo, ou seja,
que há um conjunto de traços linguísticos que compõem a identidade linguística
goiana e que esses fenômenos participam da composição do chamado “goianês”.
Nosso trabalho está em consonância com os resultados da pesquisa de Shirley Mattos
(2013; 2017), que mostram que há um traço identitário, na fala goiana, na
concordância verbal com o pronome nós na oralidade urbana. No sentido de
contextualizar nossa pesquisa, apresentamos um breve percurso sobre a Linguística,
a Sociolinguística Variacionista e as propostas para análise da variação estilística: a
abordagem da Árvore de Decisão, de William Labov (2001a; 2001b; 2008 [1972]); a
abordagem Audience Design, de Allan Bell (1984; 2001), e a abordagem Speaker
Design conforme Penelope Eckert (2000; 2001) e Nikolas Coupland (2001). De modo
geral, a pesquisa é desenvolvida a partir da perspectiva da terceira onda na
Sociolinguística, que propõe práticas analíticas e metodológicas em continuidade com
as tendências anteriores, com foco em aspectos identitários e de agentividade. Ainda
procurando compreender os fenômenos propostos como traços identitários do
goianês, apresentamos o conceito de prestígio encoberto (covert prestige) (LABOV,
1982 [1966]; LABOV, 2008 [1972]; TRUDGILL, 1972, MILROY; MILROY, 1999 [1985]),
a fim de explicitar as razões pelas quais determinados grupos ou comunidades
escolhem usar uma forma não-padrão em vez da forma padrão, que, espera-se, seja
a forma prestigiada, nos termos do prestígio aberto ou explícito (overt prestige). Para
evidenciar que, em Goiás, há atribuição de um valor positivo ao que foge da norma
e/ou o que é estigmatizado, realizamos uma pesquisa histórica e uma pesquisa
amparada pela metodologia da etnografia digital (KOZINETS, 2014; POSTILL, 2017)
para indicar como a goianidade foi construída e agora é difundida e compreendida nas
redes sociais, bem como para ilustrar como o goiano compreende a própria fala. A
pesquisa conta, ainda, com uma análise da concordância nominal de número e do /R/
retroflexo a partir de uma amostra obtida por meio de gravações em situações naturais
de fala. Esses fenômenos são analisados a partir da fala de uma informante mulher,
de 28 anos, com 18 anos de escolarização, professora da rede municipal de ensino
de Goiânia e atriz de teatro que nasceu e sempre morou em Goiânia, na mesma casa.
Nosso objetivo foi analisar o comportamento linguístico de uma informante que, por
um lado, é tipicamente goiana e que, por outro, encaixa-se nas características sociais
de um falante que tende a usar as formas mais prestigiadas. Ao todo, analisamos 989
dados de concordância nominal e 1353 de variação do /R/ em coda silábica. Para
concordância nominal, controlamos a presença ou ausência de marca formal de
concordância nos elementos flexionáveis do sintagma nominal a partir das variáveis
linguísticas: posição relativa e linear dos elementos do sintagma nominal; paralelismo
linguístico (marcas precedentes) e saliência fônica na relação singular/plural. Na
análise do /R/ retroflexo, consideramos duas variáveis linguísticas: posição da coda
silábica e classe gramatical, dividida apenas entre verbo no infinitivo e não verbo. Para
as duas análises, foi, ainda, considerada uma variável estilística: contexto interacional.
A análise quantitativa dos dados foi realizada com o auxílio do programa GoldVarb X
(SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005). Os resultados mostraram a confluência
de fatores que atuam nos fenômenos analisados: em relação às variáveis linguísticas,
os dois fenômenos apresentaram regularidade com outras pesquisas realizadas sobre
o Português Brasileiro nas quais fatores atuam de modo mais forte para a realização
de marcas de concordância nominal e presença do /R/ retroflexo em coda silábica.
Quando nos voltamos à análise da variável estilística, constatamos a capacidade de
trânsito estilístico da informante, que altera o uso das marcas de concordância
nominal bem como o uso do /R/ retroflexo dependendo de qual persona assume.
Isolando os dados de contextos em que a interação se dá entre amigos próximos,
ainda é possível concluir que a informante tem um sentimento de solidariedade com
os demais membros do grupo e faz maior uso das formas que, no Português Brasileiro,
são estigmatizadas como típicas de uma fala caipira. Esse uso de formas não-padrão
com um sentido de solidariedade e identidade associado à capacidade da informante
de aumentar o uso das formas prestigiadas em outros contextos interacionais é um
elemento que nos leva identificar o goianês como um caso de prestígio encoberto.

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